21/05/2012
Anencefalia: definição dos critérios para a interrupção da gravidez
- Fonte:
ESA/OABSP
Critérios do Conselho Federal de Medicina - Anencefalia
Comentada pelo Professor André Ramos Tavares
Coordenador do Curso de Direito Constitucional com ênfase nos Direitos e Garantias Fundamentais, da ESA-SP
Após a polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade da antecipação terapêutica do parto em caso de gestação de feto anencéfalo, por oito votos a dois, o Conselho Federal de Medicina editou a
Resolução Nº 1.989, DE 10 DE MAIO DE 2012, que dispõe sobre o diagnóstico de anencefalia e dá outras providências.
Nos termos da Resolução o médico poderá, a pedido da gestante, interromper a gravidez na ocorrência de diagnóstico inequívoco de anencefalia. Não há necessidade de autorização Estatal, haja vista não se tratar de crime de aborto previsto no Código Penal Pátrio.
Na exposição de motivos, a Resolução apontou as diferenças conceituais entre aborto e antecipação terapêutica, na mesma esteira da decisão do relator da ADPF-54, ministro Marco Aurélio, para o qual a distinção é imprescindível para delimitar o objeto da ação sub judice, uma vez que não foi pleiteada a inconstitucionalidade dos tipos penais de aborto, mas apenas a interpretação conforme a Constituição.
Prevê o art. 2º que o diagnóstico de anencefalia será feito por exame ultrassonográfico realizado a partir da 12ª (décima segunda) semana de gestação e deverá conter: a) duas fotografias, identificadas e datadas, uma com a face do feto em posição sagital; a outra, com a visualização do polo cefálico no corte transversal, demonstrando a ausência da calota craniana e de parênquima cerebral identificável e b) laudo assinado por dois médicos, capacitados para tal diagnóstico.
A Resolução dispõe que após a conclusão do diagnóstico de anencefalia, o médico prestará à gestante todos os esclarecimentos que forem solicitados, de forma a lhe garantir livremente a decisão sobre a conduta a ser adotada. Diante do diagnóstico de anencefalia, é direito da gestante manter a gravidez ou interrompê-la, independentemente do tempo de gravidez, ou adiar a decisão para outro momento.
A Resolução ainda previu o dever de o médico informar a gestante das consequências de seu ato, incluindo os riscos, independentemente da decisão por ela escolhida. Se a gestante decidir pela antecipação terapêutica do parto, o médico deverá informá-la sobre os riscos de recorrência da anencefalia e que a assistência preconcepcional objetiva reduzi-los.
Apenas os hospitais que disponham de estrutura adequada ao tratamento de eventuais complicações, poderão realizar a antecipação terapêutica do parto. Foi ressaltado na Resolução que a partir da decisão da Corte Maior, a interrupção da gravidez tornou-se um protocolo dos programas de atenção à saúde da mulher, exigindo do Conselho Federal de Medicina algumas medidas, como a criação de diretrizes para a assistência médica à gestante.
O art. 4º dispôs sobre a necessidade de lavratura de ata da antecipação terapêutica do parto, contendo o consentimento da gestante. A medida foi inspirada na Lei 9.263/96, que trata do planejamento familiar.
Foram citados o art. 1º, inciso III da Constituição Federal, que dispõe sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e o art. 5º, inciso III, segundo o qual ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, bem como a exposição de motivos trouxe explicações a respeito de posturas do Código de Ética Médica, que foram utilizadas para embasar a Resolução.
Confira a íntegra da Resolução Nº 1.989, de 10 de maio de 2012: http://bit.ly/JiU9Qc
"O Conselho Federal de Medicina, por meio da recente Resolução n. 1989, decidida em 10 de maio de 2012 e já em vigor, criou regras, no âmbito medico, para o intrincado tema da interrupção da gravidez de feto anencefálico.
No centro da Resolução está o diagnóstico da anencefalia, que vai permitir a interrupção dessa gravidez independentemente de autorização judicial prévia e específica, como vinha sendo exigido até então no Brasil.
Para assegurar-se de não promover ou liberar o aborto, o que é um crime no Brasil (salvo risco de vida da gestão e estupro), a Resolução fala em “diagnostico inequívoco de anencefalia”, exigindo exame ultrassonográfico, a partir da 12a semana de gestação, laudo assinado por dois médicos e consentimento da gestante lavrado em Ata médica.
Como se percebe, a Resolução toma as cautelas necessárias para impedir o aborto, ainda proibido no país, sem inviabilizar ou criar obstáculos inadimissíveis à interrupção da gravidez na hipótese agora permitida.
Na realidade, a Resolução é resultado direto do entendimento jurídico final, fixado pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento recente, sobre a interrupção da gravidez nessas circunstâncias não ser crime de aborto.
Conforme expôs o Ministro Celso de Mello, Decano de nossa Corte máxima, o fundamento desse julgamento está em “que a mulher, apoiada em razões fundadas nos seus direitos reprodutivos e protegida pela dignidade da pessoa humana, liberdade, autodeterminação pessoal e intimidade, tem o direito insuprimível de optar pela antecipação terapêutica de parto nos casos de comprovada malformação fetal por anencefalia; ou então, legitimada por razões que decorrem de sua autonomia privada, o direito de manifestar sua liberdade individual, em clima da absoluta liberdade, pelo prosseguimento natural do processo fisiológico de gestação”,
O julgamento não legalizou o aborto no Brasil. Nem impôs sempre a antecipação do parto em casos de anencefalia. Tampouco se permitiu aborto para doenças graves, deficiências em geral, deformações ou eugênico. Mas resolveu um problema grave que era a incerteza jurídica que pairava sobre o tema, afetando a vida de milhares de mulheres e famílias. A decisão do STF considerou só ser crime quando há viabilidade de vida e, nesses termos, a interrupção da anencefalia não pode ser considerada crime de aborto, pois, nas palavras do Ministro Marco Aurélio, trata-se de um “natimorto”.
Assim, o STF autorizou a finalização da gravidez independentemente de decisão judicial prévia, específica e concreta. Vale, doravante, a decisão geral do STF, a decisão da gestante por interromper a gravidez e a decisão médica (nos termos da Resolução) para cada caso concreto que atestará tartar-se efetivamente de anencefalia".
André Ramos Tavares